O que é Aculturação? Entenda o conceito.

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O conceito de aculturação, assim como os de cultura, etnocentrismo e sincretismo, surgiu na Antropologia; no entanto, devido à crescente interdisciplinaridade, a História também se beneficia da utilização das ferramentas de disciplinas como a Antropologia. O termo aculturação foi inicialmente cunhado por antropólogos norte-americanos, sendo o historiador francês Nathan Watchel um dos principais responsáveis por sua adaptação para a História.

De acordo com ele, o conceito de aculturação é útil para o desenvolvimento de reflexões sobre as mudanças que podem acontecer em uma sociedade a partir da inclusão de elementos externos, ou seja, do contato com outras culturas.

Para perceber a aplicação desse conceito na História, esse historiador estudou o caso da sociedade peruana depois da conquista espanhola, no século XVI. Segundo Watchel, aculturação é todo fenômeno de interação social que resulta do contato entre duas culturas, e não simplesmente a sujeição de um povo por outro. Para ele, essa noção tem sua maior utilidade quando empregada para o estudo de situações coloniais.

Aculturação é, assim, um conceito construído com o fim de explicar uma realidade social única, aplicável apenas a determinado momento e lugar específico na história. Outros autores, todavia, discordam de Watchel. O estudioso brasileiro Alfredo Bosi, em sua obra Dialética da colonização, define aculturação como o ato de sujeitar um povo ou adaptá-lo tecnologicamente a um padrão tido como superior. Para Bosi, esse é um fenômeno proveniente do contato entre diferentes sociedades e pode ocorrer em períodos históricos diferentes, estando sujeito apenas à existência desse contato entre culturas diversas. Bosi defende ainda que a aculturação é necessariamente um fenômeno de controle social de um povo sobre outro. Podemos, assim, observar que os conceitos de Bosi e Watchel diferem.

De acordo com o primeiro, aculturação é uma categoria que pode ser aplicada a diferentes momentos históricos e, além disso, é um processo de sujeição social. Para o segundo, tal conceito pode ser apenas aplicado a situações coloniais e abrange muitas outras situações, além da mera sujeição cultural.

Com base na definição mais genérica de aculturação, algumas tentativas foram feitas para se empregar o conceito em pesquisas as mais diversas, como em trabalhos sobre a sociedade rural francesa no século xvi, durante as transformações resultantes da Reforma Católica. Tais pesquisas defendiam que, nesse momento, ocorreu um processo de aculturação dos camponeses pelo clero francês, processo influenciado pelo Concílio de Trento.

Para Peter Burke, no entanto, dificilmente poderíamos aplicar o conceito de aculturação a esse contexto, porque os dois grupos envolvidos em tal processo – padres e camponeses – pertenciam à mesma cultura. Tendo em vista essas considerações, percebemos que, apesar dos diferentes significados atribuídos à noção de aculturação, há alguns consensos, como a ideia de que se trata de um processo envolvendo culturas distintas.

Além disso, as conceituações de Watchel e de Bosi se aproximam quando o primeiro considera a aculturação uma interação entre sociedades de força desigual, dominantes e dominadas. Contudo, Watchel acredita que a aculturação não se dá apenas como transformação de sociedades indígenas em sociedades coloniais, pois também ocorreu nesse processo a incorporação pelas sociedades indígenas de elementos culturais estranhos, embora continuando a preservar suas características originais.

E uma vez que para esse autor a aculturação é um conceito aplicável apenas à colonização da América, podemos tomar situações coloniais para especificar melhor essa noção. Um primeiro ponto a observar é que o tipo de aculturação resultante entre espanhóis e indígenas a partir do século xvi dependia do tipo de dominação que os primeiros conseguiam impor aos segundos. Sobre as sociedades sedentárias, astecas e incas, por exemplo, os conquistadores impuseram a proximidade com o sistema de valores colonial, ao obrigá-los a trabalhar e residir nas propriedades dos colonos, facilitando o processo de imposição de costumes e crenças, que era uma das formas de aculturação.

Já com os povos nômades se deu o contrário, pois sociedades indígenas de diferentes regiões das Américas, como os chichimecas no norte do México, os araucanos no sul do Chile, as tribos do oeste dos eua e os índios do sertão do Brasil, resistiram à dominação europeia, apesar de passarem por formas de aculturação úteis para sua sociedade, como o emprego do cavalo e das armas de fogo. Esses povos escaparam, em seu processo de resistência, da imposição de trabalho e de residência nas propriedades dos colonos, evitando, também, o processo de imposição de valores europeus.

Mas isso não os impediu de optarem por assimilar elementos culturais estrangeiros, como as armas de fogo e a criação de cavalos, que em vez de destruir sua cultura, foram incorporados a ela, permitindo-lhes continuar a resistência contra a colonização.

Tal incorporação, para Watchel, também foi uma forma de aculturação, realizada, todavia, não por um povo dominado, mas sim por uma sociedade independente. Segundo essa definição, podemos classificar em dois tipos as formas de aculturação no mundo colonial americano: primeiro, quando um grupo estranho controlava diretamente a sociedade dominada, direcionando seu processo de aculturação. Caso daqueles povos nativos que por toda a América foram submetidos ao controle de missionários.

Sob tal domínio, os indígenas tiveram de assimilar muitas das instituições espanholas e portuguesas, como o catolicismo, a língua, os costumes matrimoniais, os hábitos de vestimenta etc. Essa aculturação imposta destruiu grande parte das culturas originais indígenas, como os laços familiares, a religiosidade e a língua. Por sua vez, o segundo tipo de aculturação pode ser percebido quando a sociedade indígena, longe de qualquer controle externo, adotou alguns elementos da cultura colonial voluntariamente, como o uso do cavalo e de armas de fogo. Nesse caso, a aculturação foi espontânea, e a cultura nativa preservada em suas estruturas originais.

Os elementos estrangeiros assimilados nesse segundo caso não eram suficientes para modificar as estruturas internas dessas sociedades, mas foram escolhidos, ao contrário, por se ajustarem a essas estruturas. Não podemos esquecer que a aculturação constitui apenas uma das formas de interação possíveis na sociedade colonial, e nem sempre ela é predominante.

O sincretismo, a miscigenação e o hibridismo cultural são exemplos de outras formas de interação social entre diferentes culturas criadas pela colonização. Alguns autores falam ainda da situação de etnocídio.

É o caso do historiador Frédéric Rognon. Para ele, enquanto o genocídio é a extinção física de um grupo, violenta e deliberada, o etnocídio seria a destruição de uma cultura, resultante do processo de aculturação. Situação que ocorreu, sobretudo, com as populações indígenas das Américas, sendo possível encontrar na Oceania processos de aculturação aos quais a população sobreviveu. De acordo com Rognon, o etnocídio apenas precede o genocídio, e todo processo de aculturação termina por ser um fenômeno de imposição de uma cultura sobre outra.

Em síntese, percebemos uma ativa discussão em torno da ideia de aculturação: enquanto Watchel considera que a aculturação pode ser espontânea e útil para uma sociedade, a maioria dos outros autores acredita que ela é um fenômeno sempre de imposição cultural.

Apesar das discordâncias, podemos resumir a aculturação como um processo de imposição ou assimilação de valores socioculturais de uma sociedade por outra. Processo possível principalmente em situações de colonização. Watchel inclusive defende que, quando o conceito de aculturação for mais bem compreendido para a América colonial, ele poderá ser utilizado para outras situações históricas tornando-se assim uma categoria de análise.

Por enquanto, todavia, devido às diversas incongruências e controvérsias em torno desse conceito, a aculturação só seria útil para o momento do contato entre europeus e indígenas. Precisamos ainda ressaltar que a situação colonial, mesmo quando estamos falando de aculturação em seu sentido de imposição cultural, é muito complexa, pois os dominados, alvo da imposição de valores europeus, como negros e índios, não eram participantes passivos do processo. Eles reagiam, terminando por influenciar a própria cultura hegemônica, transformando-a.

Tal situação leva muitos autores a preferirem falar de miscigenação, de sincretismo ou de hibridismo cultural, abandonando o conceito de aculturação. Mas todos esses conceitos giram em torno da ideia de trocas e de influências culturais. Devemos lembrar também que a aculturação, como política de colonização, foi uma prática de etnocentrismo. A não compreensão da cultura do “outro”, ou mesmo a negação dessa cultura, deu lugar a práticas de “aculturação”, pois esse “outro” – exatamente por ser diferente – deveria ser encaixado na cultura dita “superior”.

Dica para o Professor

Para a sala de aula, excelente atividade seria comparar as diferentes formas de aculturação nas sociedades indígenas coloniais. Trabalhar com os casos em que tais sociedades demonstraram capacidade de assimilação e adaptação de elementos culturais que serviram a seus interesses pode levar os alunos a perceberem que os povos indígenas, em geral retratados como facilmente derrotados pelos europeus “superiores”, não necessariamente se submeteram à dominação sem contestação.

Fonte: Dicionário de Conceitos Históricos

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